terça-feira, 4 de junho de 2013
Ele era um menino todo bonitinho, todo cheirosinho, todo educadinho. Tinha uns pais muito legais, uma irmã que era um amorzinho, uma porção de livros e uma coleção de carrinhos. Era para viver com um sorriso largo no rosto, mas, por uma razão desconhecida, o menino bonitinho tinha uma peculiaridade. Era mal-humoradinho demais.
Tudo o que acontecia ele via pelo lado negativo, e por isso estava
sempre de cara fechada. Se seu time perdesse uma partida de futebol,
ficava danado da vida, reclamando que o juiz tinha roubado. Mas se seu
time ganhasse uma partida, ele não comemorava. Com a mesma cara de
zangado dizia que o 'time deu sorte, quero ver na próxima rodada!'
Na escola e na rua, todos o conheciam, e sabiam deste seu defeitinho de fabricação. Riam, faziam graça
com ele. Ele, nada! Nem um esboço de sorriso dava. Os amigos o
apelidaram de Camarra, que era a abreviatura de Cara Amarrada. Ele não
se importou. Achou até graça no apelido. Mas nem por isto riu.
Quando entrava alguém novo na turma, logo estranhavam o Camarra. Ele era sempre muito bacana com todo mundo, mas sempre com aquela
cara cada vez mais fechada. Daí a pessoa, um pouco sem graça,
cochichava com outro alguém ' acho que o Camarra não gosta muito de
mim...' E este alguém, que já conhecia bem o Camarra, ria e respondia '
não é contigo, não! Ele é assim
mesmo. Sempre com esta cara de quem chupou limão com sal!' E então o
Camarra fazia outro amigo, que ria do seu jeito azedo de ser.
O Camarra tinha mesmo uma porção de amigos, e nunca tinha parado para pensar que vivia assim, de uma forma tão azeda. Ele tinha uma família e amigos que o amavam, por que deveria se preocupar em sorrir?
Mas aí um dia a vida muda. E mudou no segundo semestre, quando entrou
uma menina nova na turma. E ela era linda, linda demais da conta! Tinha
um vestido amarelo com a saia rodada, e quando ela corria, o vento
sacudia a sua saia, e parecia que saiam raios de sol das rodas de seu vestido. E ela ria, como ela ria!
Um riso gostoso, aberto, verdadeiro. Estava sempre com um sorriso nos
lábios. Um sorriso destes que corta o rosto inteiro, indo de orelha a
orelha. E o Camarra, ao vê-la assim, sempre tão alegre, sempre tão
radiante, teve uma vontade. Vontade de andar de mãos dadas com ela.
Passaram-se dias antes que ele tomasse coragem de perguntar. Os amigos
insitiam 'tentar não custa, vai lá!' E então ele resolveu arriscar. Um
dia, depois da aula de música, quando saiam da sala de concertos e
voltavam para a sala de aula, sussurou-lhe:
- Você quer andar de mão dadas comigo?
- Que? - ele falou tão baixinho que ela mal ouvira.
- Você quer andar de mãos dadas comigo?
Ela sorriu. E respondeu:
- No dia em que você estiver bem-disposto, eu vou. - E saiu saltitando.
Camarra não entendeu nada. Ele estava bem-disposto aquele dia! Esperou,
pacientemente, até o dia seguinte, e quando iam para o recreio,
perguntou:
- Você quer andar de mãos dadas comigo?
- No dia em que sua cabeça estiver boa, eu vou.- E novamente saiu saltitando.
Aí Camarra entendeu menos ainda. E a cabeça dele estava doendo, por
acaso? Esperou, e no dia seguinte, depois da aula de inglês, perguntou:
- Você quer andar de mãos dadas comigo?
- No dia em que você estiver contente, eu vou. - E já ia saindo saltitante, quando Camarra, sempre tão paciente, impacientou-se. Segurou em sua mão e lhe disse, sério:
- Eu estou contente hoje! Podemos andar juntos, então?
A menina do vestido amarelo levou um susto! Não por ele ter segurado
na sua mão. Mas por ele ter dito que estava contente. Nunca tinha visto
alguém contente aparentar tanto descontentamento. E disse:
- Contente? Com esta cara amarrada? Eu achei até que você estava com dorzinha de barriga!
- Não, não, eu estou bem, nada dói! - apressou-se em dizer o Camarra.
- Então porque esta cara tão azedinha?
- Ah, é porque eu sou assim mesmo.
- E por que você é assim, mesmo?
- Porque a vida é assim, sabe? Tem muita coisa ruim acontecendo por aí. A vida é bem amarga.
- Adocica!
- Que?
- Adocica, ué! Se a vida é amarga, arranja açúcar, põe mel, brigadeiro ou sorvete. Adocica. A vida tem um lado bem doce também.
Camarra sorriu. Não porque concordasse com ela. Mas pelo jeitinho que
ela falou. Sorriu um destes sorrisos sinceros e impensados, e ela gostou
disto. Gostou tanto que lhe deu a mão. E saíram andando de mãos dadas.
Deste dia
em diante, Camarra deixou de ser Camarra. Deixou a cara amarrada para
trás, começou a sorrir sempre. Mesmo quando a menina de vestido amarelo
disse que não podiam mais andar de mãos dadas, porque agora ela queria
andar assim com o Tonico, ele fechou a cara. Deram-se um abraço apertado
e continuaram amigos.
E o Camarra, que agora era um cara feliz, tratou de andar de mãos
dadas com a Maria, depois com o Paty, depois com a Ana e depois com mais
ninguém, porque casaram e tiveram três filhos.
E lá
na casa dele, todo mundo sorri. E se alguém, por algum motivo qualquer,
diz que a vida amargou e fecha a cara, eles dão as mãos. E vão para a
praia, para o parque, ou para qualquer outro lugar legal. Correm como
crianças, comem sanduíche de mortadela e tomam picolé de chocolate.
Fazem estas coisas bobas, sem motivo, que nos fazem rir um pouquinho.
Para dar uma adocicada, e nunca esquecer que a vida é doce, doce que só
ela. Basta querer!
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