sexta-feira, 20 de setembro de 2013
Menina pode isso, menino pode aquilo
Marina e Eduardo eram amigos desde sempre. Suas mães engravidaram na mesma época e eles nasceram com poucos dias de diferença. E, além de tudo,
eram vizinhos. Estavam mesmo destinados a serem amigos. E assim foi que
desde que saíram das barrigas das mães os dois tornaram-se
inseparáveis: dos primeiros banhos de sol aos primeiros passinhos,
fizeram tudo juntos. E continuaram assim até os cinco anos de idade, quando as coisas começaram a mudar.
O que mudou foram os outros. Eles continuavam ligados um ao outro como sempre. Mas, um dia, estavam brincando e foram interrompidos. Estavam no apartamento de Marina. Ela tinha uma enorme cozinha colorida, cheia de panelinhas e comidinhas de plástico. Até um aventalzinho tinha! Eduardo adorava brincar ali. Faziam assim: Marina
dizia que queria comer algo diferente e Eduardo dizia que iria
preparar. Passavam a tarde inteira nesta brincadeira, onde ela pensava
numa refeição gostosa e ele dizia que ia cozinhar para ela. Neste dia, faziam o mesmo de sempre. Marina estava sentada no chão e pediu:
- Dudu, hoje eu quero comer alguma coisa com cenoura.
- Doce ou salgado, Mari?
- Tem doce de cenoura?
- Tem bolo! Quer?
- Quero!
- Vou fazer! - e, dizendo isso, pegou uma porção de cenourinhas de plástico e colocou em uma panelinha. Estavam no meio da diversão quando sua mãe veio buscá-lo e viu a cena. Mandou que parassem na mesma hora.
- Eduardo, o que você está fazendo de avental? Tira já isso!
- Mas eu sou o cozinheiro, tô fazendo bolo de cenoura para a Mari – respondeu o menino.
- É, sim, eu que escolhi o bolo! - continuou a menina.
- Menino não pode brincar de panelinha! - retrucou a mãe do Eduardo.
Marina e Eduardo se olharam bastante assustados. Como não podem brincar de panelinha? Brincavam assim desde que se entendiam por gente! A mãe do Eduardo parecia tão brava que acharam melhor não discutir.
A mãe do Eduardo o levou para casa, onde deu-lhe uma bronca danada.
Disse que menino não brinca de panelinha, nem de boneca, nem de qualquer
coisa que entre no item 'brincar de casinha'. Ele achou tudo muito
estranho – ele e sua amiga sempre brincavam das mesmas coisas, e ele
gostava disso – e tentou perguntar o porquê. Mas sua mãe encerrou o
assunto dizendo apenas:' não é brincadeira de menino'. Ele ficou um
pouco chateado, mas não quis continuar a discussão e aceitou.
Alguns dias depois, estavam os dois novamente brincando, desta vez no apartamento do Eduardo. Lá, não tinha como brincar de casinha, já que o menino não tinha as panelinhas e
as bonecas. Mas ele tinha uma coleção de carrinhos, e ele e Marina se
divertiam brincando assim. Estavam no meio de uma corrida, quando foram
novamente interrompidos. A mãe da Marina tinha ido buscá-la e, ao ver
sua filha brincando com os carrinhos, acabou com a bagunça na mesma hora.
- Marina, o que é isso, posso saber?
As crianças se olharam confusas. O que é isso, o quê? Não sabiam do que ela estava falando. E continuaram sem saber, já que a
mãe de Marina a pegou pela mão e a levou embora sem dar nenhuma
explicação. Só quando chegaram em casa é que Marina entendeu do que se
tratava. Sua mãe, um tanto irritada, disse-lhe que ela já estava
virando uma mocinha, e que não podia continuar se comportando como um
moleque. Marina não entendeu, e disse isso para sua mãe. A mãe, então,
respondeu com
firmeza: ' Carrinho é brincadeira de menino, e não de menina. Não é
delicado uma menina ficar se arrastando no chão empurrando os carrinhos.
Você não pode mais brincar assim'. Marina não teve chance de
argumentar. Sua mãe deu o assunto por encerrado e já tinha ido cuidar de
outras coisas.
Passados alguns dias, iriam novamente brincar no apartamento de Eduardo. Marina chegou com uma mochila grande. Dudu estranhou.
- Que que tem aí, Mari?
- Boneca e panelinha. Minha mãe disse que eu tinha que trazer.
- Por que? Eu tenho uma porção de brinquedos aqui.
- Eu sei, mas ela disse que são brinquedos de menino e que eu tenho que trazer brinquedos de menina.
- Mas a minha mãe não quer que eu brinque de casinha. Disse que não é brincadeira de menino. Será que não podemos mais brincar juntos?
A mãe do Eduardo ouviu a conversa dos dois. Na hora, não disse nada.
Quando a mãe da Marina veio buscá-la, contou que os dois passaram a
tarde sentadinhos conversando, e contou tudo
o que eles conversaram, no quanto estavam preocupados se não poderiam
mais brincar juntos. A duas mães decidiram, então, que não deveriam
afastar os dois. Então os chamaram e disseram que eles poderiam brincar
do que quisessem, mas assim: na brincadeira de casinha, Marina seria
quem faria a comidinha e cuidaria das bonecas, enquanto na brincadeira
de carrinhos, Eduardo seria o piloto dos carrinhos. Explicaram que,
deste modo, poderiam continuar brincando juntos. As crianças, felizes,
concordaram com as condições que as mães impuseram.
Concordaram, mas nunca obedeceram. Não tinha jeito: Marina gostava de
brincar com os carrinhos e Eduardo gostava de brincar com as
panelinhas. Assim, continuaram brincando
do mesmo jeito de sempre. Com uma diferença. Quando algum adulto se
aproximava, disfarçavam. Para quem os visse, parecia que Marina gostava
de suas panelinhas e Eduardo era louco por seus carrinhos. E cresceram
amigos e brincaram assim por muitos anos.
Hoje,
Mari e Dudu são adultos. E pouca coisa mudou: ele ainda cozinha para
ela, que ainda brinca de carrinhos. Suas mães já não podem mais
reclamar. Eduardo tornou-se um renomado chef de cozinha, enquanto Marina trabalha como designer
de automóveis em uma fábrica alemã. Continuam muito amigos. Lembram-se,
com carinho e saudade, da infância que dividiram. E ficam muito felizes
por terem conseguido enganar suas mães e crescerem exercendo suas
vocações. No final das contas, os dois sempre souberam que menina e
menino podem fazer o que quiserem, podem tudo igual. Só tiveram que
crescer para ensinar isso para as suas mães também...
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